ARTIGOS

Publicado em 16 de Outubro de 2013 11:42

Olhar vagabundo

Publicado por Valdeblan Siqueira Expirado

Dois dos integrantes dos chamados BRIC’s, Índia e China, respondem sozinhos por um terço dos humanos sobre a terra. Nunca estive em qualquer desses lugares. Mas, fico tonto só de pensar o que isso significa, em termos de convivência por metro quadrado. Numa rápida pesquisa pela Internet me deparei com dados assustadores relativos à densidade populacional das megalópoles mundo afora. De acordo com a lista oferecida pela wikipedia, as seis maiores cidades do mundo, em milhões de habitantes, considerando apenas as áreas urbanas, são: Bombaim (13,92) na Índia, Xangai (13,48) na China, Carachi (12,99) no Paquistão, Istambul (11,37) na Turquia, Nova Delhi (11,32) na Índia e São Paulo (10,99) no Brasil. Guardadas as devidas proporções, fazemos uma idéia das dificuldades de viver em uma grande cidade, a partir de Recife, com aproximadamente um milhão e meio de habitantes.

Recentemente estive num shopping, no centro da cidade. Por razões alheias a minha vontade, ali permaneci por mais de três horas. Geralmente trago comigo um livro, que me socorre nesses momentos. Sem contar com o refúgio de uma livraria, deixei passear meu olhar vagabundo. À exceção de meus familiares, nenhum rosto conhecido. Para quem reside na cidade há anos, exercendo, entre outras atividades, a de professor, termina sendo algo surpreendente. Há, contudo, um elemento subjetivo, baseado na vivência de quem não exerce nenhum cargo ou função, pública ou privada, que o torne conhecido. Mesmo assim, é possível inferir sobre a complexidade de gerir, administrativamente, uma cidade dessa dimensão.

A minha ignorância sobre o tema me permite afirmar ingenuamente que é mais difícil gerir necessidades subjetivas que objetivas. A “brilhante conclusão“ a que cheguei deriva daquele anônimo passeio, deixando-me impressionar por algumas cenas. Sem pretensão de exercer qualquer espécie de vidência sobre o pensamento alheio, apelei à minha frágil percepção. Começando pelo tamanho da fila diante de uma casa lotérica, integrada por gente de todas as idades. Como num deserto, ilhados por seres parecidos e absortos em seus próprios pensamentos, detinham a miragem dos cifrões. Era preciso contemplar, particularmente, o semblante dos jovens. Muitos deles, paradoxalmente, opacos de esperança. O que diriam aqueles tantos olhares, perdidos no vazio ou pregados a seus celulares, enquanto aguardavam, pacientemente, a sua vez?

Tentando administrar a confusão que se instalou em minha cabeça e ainda que sem autorização, procurei entender o todo vendo as partes. Dediquei maior atenção às jovens que, na praça de alimentação, mantinham um cardápio em suas mãos com o qual abordavam eventual clientela, movidas por um invasivo sorriso. Muitos clientes, arrogantes, não viam sequer o ser humano por trás do cardápio. Elas vendiam um produto que, provavelmente, não podiam consumir com o que ali recebiam. O que me fez lembrar a sensibilidade do poeta e cantor, Zé Ramalho, contida na letra de sua música “Cidadão“, quando diz: “tá vendo aquele edifício moço, ajudei a levantar...“.

Qual salão de beleza ou loja de roupas enxerga como vantagem competitiva, cuidar da beleza de suas atendentes? E os que cuidam da limpeza do ambiente? Acaso contam com um serviço público de qualidade, que cuide em sua retaguarda, da limpeza de suas ruas e da saúde de suas famílias? Penso na responsabilidade dos gestores públicos, políticos e administrativos, em devolver o sorriso a tanta gente, a partir de uma gestão ética e responsável. E na responsabilidade social das organizações privadas. Ponto para aquelas empresas que, ainda que lucrem com a manipulação dos sonhos de consumo da maioria de assalariados, tratam e pagam dignamente a seus funcionários.

Valdeblan Siqueira é auditor fiscal de tributos da Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco

Data de inclusão: 24/04/2009

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